(gula)
Acredite, a dor de ter milhares de criaturas entrando em seu corpo pelos poros não é algo que você vai querer guardar como lembrança. Não que consiga, se quiser.
Talvez até imagine em algum momento que foi uma alucinação de sua mente e que tudo na verdade não passou de um pensamento estranho, ou no máximo um pesadelo.
Mas não funciona comigo, sou relembrado a cada dia de como isso aconteceu e essa lembrança me faz rir sozinho por alguns minutos. Aliás, nunca sozinho, pois desde então eu estou sempre acompanhado.
Eles me acompanham para todo o lugar, ou talvez eu devesse dizer que eu os acompanho, já que eles são em maior número. No entanto todos atendem pelo mesmo nome, Belial, e talvez por isso eu deveria dizer que realmente não importa quem acompanha quem.
Isso aconteceu bem antes que eu conhecesse Sevla ou Melangra, minhas esposas belas e jovens que quase morreram trapaceando numa mesa de cartas, mas isso seria uma outra história, e certamente muito mais picante.
Conheci Belial antes que o mundo acabasse, você sabe, antes que a Mortalha se espalhasse em volta dessa esfera de insanidade e convalescência cósmica, a grande piada da existência, como eu sempre gostei de pontuar.
Ele não é como os “Sete Sacais”, os babacas que chegaram aqui trazidos por garotos mais babacas ainda em uma noite bizarra de magia de butique feita em um cinema abandonado. A merda maior foi o cinema ter sido construído em cima de um cemitério indígena ancestral.
Enfim, Belial não é anjo nem demônio, não está vivo nem morto. Já pensei até que podia ser alucinação decorrente de um tumor cerebral ou algo semelhante, mas não, quando fui alvo de uma disputa de tiros entre dois policiais corruptos percebi que a união do qual ele falara era real.
No princípio dos tempos ele foi um só, naquela época o rebuliço no paraíso foi tão grande que os anjos se dividiram, demônios nasceram, alguns caíram e sobrou merda pra todo lado, cada um abraçou a bandeira que mais agradava e começou o caos celestial.
Belial então conversou com um amigo, trocou uma idéia com um irmão, expôs conhecimentos a um primo… Quando menos percebeu, ele não era mais um, não que os outros faziam parte dele, mas como dizer? Eles deixaram de existir para que Belial se expandisse.
Não é fácil, eu sei, convivo com isso e ainda não entendo completamente, que dirá de qualquer mortal que saiba a respeito. Claro, ele conseguiu passar pra cá junto com os sete Sacais, afinal, o buraco que os garotos abriram foi tão grande que muita coisa passou junto, até mesmo algumas que ainda dormem sobre o qual Belial sempre sussurra.
Construir a Agulha Negra foi a primeira coisa que fizemos digna de nota. Eu tinha o conhecimento e Belial o poder, o material veio de uma cidade afligida por um vulcão que deixou vidro negro para todo lado e muito concreto soterrado esperando para ser retirado.
Logo construímos a segunda e antes que a terceira tivesse sido sequer planejada, a cidade se formou ao redor delas. Coube ao mais velho morador, eu, a função de líder, prefeito e por que não dizer, rei.
Mas isso tudo já fazem mais de 50 anos, desde então as coisas não mudaram muito aqui em Gólgota e Belial tem andado quieto, me deixado por tempo demais na autonomia do corpo e do poder.
Tanto tempo assim transforma o homem, eu não sei dizer se a moral deixou de existir, foi suplantada ou mesmo plenamente compreendida, mas definitivamente eu consigo entender Belial e seus propósitos não mais tentando classificá-lo como bom ou mal.
Sob certos pontos de vista a visão da realidade se torna bem menos objetiva para tentar assumir um aspecto mais aceitável para a consciência, no entanto o que controla e tem o poder, muitas vezes tem de ir além desses pontos de vista. Ultrapassar alguns limites se torna algo comum.
Eu não sei se ainda vivo por estar aguardando o que o futuro reservar de surpresa ou se é pelo idealismo que eu tinha nos primeiros 15 anos quando queria dar um jeito de resolver a merda que aconteceu no mundo, devolver a terra a seus habitantes. Digo mais, tirar os malditos Sacais do poder e conseguir enfim descansar em paz.
Mas quem descansa em paz descansa para sempre. Paz é para os mortos e enquanto eu estiver vivo sei que a guerra estará em meu encalço. Mesmo que seja uma guerra espiritual do qual eu apenas sinta o aroma de enxofre quando perco a consciência.
Hoje, 50 anos e 3 agulhas depois, Belial me disse que elas são na verdade pregos, e que construir as primeiras foi fácil demais, o grande desafio que ele ocultara de mim por tempo suficiente, foi construir a quarta, subterrânea e oculta.
Não era piada e eu pude vê-la com meus próprios olhos. Diferente dos anos que passamos Belial enfim assumiu uma voz e uma personalidade como dominante, disse que a hora de agir tinha chego e que, graças à gula de um dos Sacais, poderíamos dar o primeiro golpe fatal:
– Você quer fazer a diferença, não é mesmo?
– Claro que sim, por isso aceitei o acordo.
– Você aceitou para não morrer, agora é sua chance de se livrar de vez disso.
– Não tenho do que me livrar. De tanto que você já conhece meus pensamentos, já te considero como parte de quem eu sou.
– Certamente, não poderia ser diferente. Até mesmo nós nos apegamos a você, o que era inicialmente apenas um veículo se tornou algo do qual nos orgulhamos. Temos muito futuro juntos.
– Futuro? Não me importa muito, com o que eu já vivi e experimentei, se minha vida acabasse agora não seria motivo de tristeza. Acho que se essa situação representa algum risco real, ela sim é algo pelo qual vale a pena suar.
– Você se tornou muito espirituoso, teve uma oportunidade em vida que muitos teriam transformado em maldição, pecado e perdição e conseguiu fazer algo que nem mesmo nós imaginamos ser possível em nosso primeiro contato.
– Muito me felicita saber isso. Vamos adiante?
– Sim, o caminho não é longo, mas devemos passar em uma pequena cidade antes.
O amor à vida eu perdi faz tempo, a aventura e a adrenalina se tornaram o raro diferencial pelo qual eu estendia minha vida, momentos em que eu podia me tornar ciente de minha quase imortalidade. Um um plano insano para derrubar um deles não me parecia nem um pouco seguro, por isso aceitei na mesma hora.
Sevla e Melangra ficaram encarregadas de controlar a cidade, pegamos o V8 dado pelos xamãs e seguimos rumo a um esconderijo secreto no Quarto Prego, aquele que nunca esfriaria e representava, ao mesmo tempo, um dos maiores milagres na terra e uma das mais terríveis profanidades já cometidas. Não tínhamos tempo para diálogos morais.
Durante os anos em que o último prego fora fincado na terra, no coração das cidades da resistência, Belial moldou caminhos e ações, fez alianças com deuses antigos e esquecidos e até mesmo com lideranças que o caçaram no passado.
E ali na sala que jamais vira a luz, Belial me fez relembrar a dor de nossa união: Duas vezes.
Primeiro ele saiu através de cada poro de meu corpo, minha carne parecia que ia estourar enquanto meus ossos clamavam por serem estraçalhados logo. Verti sangue por todos os lugares possíveis e imagináveis e senti que a morte seria um presente muito bem vindo.
O enxame de criaturas estava fora de meu corpo pela primeira vez em tanto tempo, a aparência era muito mais ameaçadora do que eu lembrava conforme eles se moviam em direção a uma coisa que surgira enquanto eu ainda tinha espasmos de dor, uma montanha de algo dourado e extremamente aromático.
Fiquei de joelhos tendo pequenas convulsões enquanto cada uma daquelas criaturas se alimentava daquela montanha, comiam vorazes como se tivessem esperado um milênio para isso. Foi quando então percebi que pela primeira vez Belial abrira totalmente a comporta de ida e vinda de seu conhecimento.
Pensar em um assunto trazia séculos de conhecimento a respeito dele, a genealogia de cada tratado e conceito que existisse sob a face da terra estava ao meu dispor, e me senti exatamente como sabia que aquelas criaturas estavam se sentindo: Se alimentando de verdade pela primeira vez na existência.
Jamais fora de minha cobiça o conhecimento, pelo contrário, sempre gostei de conhecer apenas o necessário do que me fosse útil, no entanto ter contato com Belial durante tanto tempo, deve ter mudado alguns dos cordões de minha existência.
Logo a montanha dourada fora reduzida a pequenos farelos sem brilho e sem aquela vivacidade que apresentavam antes, eu entendi o que tinham feito e o motivo pelo qual tinham feito. Senti um pouco de desconforto quando percebi que exatamente como aquelas criaturas, eu estava passando mal de tanto me alimentar, a gula era realmente um pecado.
Jogado no chão eu devo ter cochilado por algumas horas, acordei com uma ressaca terrível percebendo que o fluxo de informação não conseguia ser interrompido, mesmo fora de meu corpo o elo entre Belial e eu era contínuo, apenas os pensamentos da legião que eu não conseguia mais ouvir.
Enfim vi suásticas, crucifixos, trisquetas, ankhs, e todo tipo de símbolo religioso espalhado em volta daquela sala que somente se iluminara quando a montanha de Maná se revelara. O que Belial prometera a todos os que compartilharam com aquele banquete não tinha sido algo altruísta, ia ao encontro dos objetivos de todos, mas certamente beneficiava muito mais a nossa sociedade.
As criaturas voltaram a se mover, vieram em minha direção e pensei no que aconteceria se eu tentasse fugir. Criancices fazem parte do escopo de ações de uma criança, não sendo eu uma criança, dei um passo adiante para que voltássemos à comunhão.
Da primeira vez que nos unimos doeu bastante, lembro que morrer foi um pensamento constante enquanto aquilo acontecia. Na segunda vez, há poucas horas, doeu mais ainda, e morrer se tornou uma possibilidade agradável para aplacar a dor: Nessa terceira vez eu não senti nada.
Considere por um momento que algo que se torna sua essência por um momento, em total plenitude, seja a dor. Logo, essa dor é você, e não algo que você sente, certo?
Só assim eu conseguiria descrever a reentrada daquelas criaturas em meu corpo, alimentadas e com pelo menos 5 vezes o tamanho de antes. A entrada forçada praticamente separou cada célula de meu corpo para que acontecesse.
Acho que assim fica justificado o blackout de 3 dias que tive a seguir. Sem ressentimentos nem motivos para tiração de sarro posterior por fraqueza.
Seguimos para uma pequena cidadezinha não muito longe, como a maioria, destruída pelos anos e pelas maldições. Mesmo velha e precária em sua aparência geral, era um reduto de alguma alta tecnologia que conseguiram manter. Belial me disse então que o dono da casa de cortes tinha uma fama bem interessante, ninguém sabia seu nome e apenas o chamavam de Cutelo.
Belial arrumara tudo com antecedência, fez uma aliança com a esposa dele em um momento de total privação sensorial, enquanto ela ainda era uma escrava presa em uma casa de prostituição, para lá nos dirigimos passando por boates e até mesmo uma espécie de leilão de placas.
Fomos bem recebidos pela mulher e o homem não demonstrou ciúme algum, Belial me deixou claro que ele tinha mais firmeza e propósito que podiam ser julgados pela aparência. Era o homem certo para o trabalho certo.
Conversamos com Cutelo e ele sabia que era um trabalho difícil e bem demorado, sua esposa lhe deixou ciente que nosso sucesso nessa empreitada se dava à sua habilidade particular e quase épica de fazer os cortes perfeitos.
Apenas com a perfeição que ele alcançara no decorrer de seu ofício, que deixaria com inveja todos os sacerdotes que ficaram por vidas esmerando a habilidade no corte da carne, conseguiríamos prover uma oferenda boa para deixar o Sacal tonto o suficiente, abrindo a janela que Belial precisava.
A esposa de Cutelo demorou, mas conseguiu explicar a ele que esse seria o trabalho de sua vida, aquele pelo qual seria conhecido através do tempo. Sem muitas ambições, ele apenas queria ver se conseguia, afinal, era essa a função dele no mundo.
Normalmente uma galinha ou um galo são o suficiente para uma oferenda, cabras e bodes são cortes maiores e resolvem problemas bem complicados, um boi ou uma vaca são motivo para cuidado extremo e certeza de que sabe-se o que está fazendo. O homem afiou alegremente seu cutelo de Prata ao ver e pequena manada de búfalos, quase em reverência para a matança.
Demoramos dois dias para completar todos aqueles sacrifícios, enquanto Cutelo fazia os cortes com precisão, velocidade e perfeição, Belial cantava e proferia as preces corretas para cada caso. Não seria errado dizer que matamos uma fazenda. Desperdício? Zero!
Toda a carne distribuída alimentou crianças órfãs, pessoas pobres que mal tinham dinheiro para comprar um pão, e todo tipo de gente que morava naquela cidadezinha. Enfim foi uma grande festa, no qual oportunas orações foram feitas exaustivamente por pessoas que gostariam de mudar as condições de sua vida.
No fim das contas nos despedimos do homem e de sua esposa com todas as oferendas organizadas, limpas e prontas para receberem seu uso final: Cabeças, rins, fígado, pulmão, cada parte sagrada foi separada e levada para a missão.
O caminho foi curto até a toca do Sacal, lá posicionamos cada uma das oferendas na entrada e então nos afastamos. A falta de guardas ou protetores não devia ser tomada como um sinal de que seria fácil, mas sim de que o lugar era secreto e a criatura que ali habitava era capaz de se defender sozinha.
Permanecemos por um dia, parados e atentos em um esconderijo perfeito, logo, as oferendas começaram a atrair moscas devido ao avançado estágio de decomposição. Em poucas horas elas não mais pareciam insetos, mas sim uma nuvem de tão numerosas que eram.
As nuvens do céu escuro se agitaram relampejando e trovejando em uma ameaça velada de chuva, era o sinal da Alma do Mundo de que o temor das potências que rodeavam aquele lugar era maior do que Belial estimara.
Mesmo sem a chuva, o aroma do ar mudou e ventos fortes começaram a soprar tão forte que o aroma pútrido das oferendas não mais se fazia presente, no entanto, as moscas permaneciam ali paradas, como se pesassem cada uma mais de 20 quilos.
Belial então abriu a última comporta que separava nossas mentes, aquela que deixava seus pensamentos secretos isolados dos meus. Um gesto da confiança absoluta de que eu não o deixaria ali para batalhar sozinho. Ele estava correto.
A Nuvem não era nada menos que o próprio Belzebu em pessoa, ele já percebera Belial ali, seu irmão, e embora aquilo tivesse me causado surpresa, eu compreendi bem como cada um deles eram aspectos da mesma coisa, ou fenômeno se assim eu poderia descrever.
Uma explosão na primeira oferenda e a nuvem de moscas tornou-se mais densa, a segunda demorou a acontecer e foi o sinal que esperávamos para correr. Todos os outros sacrifícios explodiram sinalizando que tinham sido consumidos, e a única forma disso ser feito, era que a própria entidade estivesse ali em sua plenitude.
Meus passos eram dados em uma velocidade que eu jamais testemunhara, cada célula de meu corpo estava entrando em colapso prestes a explodir devido ao atrito com o e o primeiro impacto entre nós e Belzebu fez com que eu me lembrasse da dor da comunhão.
As asas da criatura traziam a luminescência pálida da morte, alguns chamavam ele e os seus de Gregoraquinianos, mas eu dificilmente deixaria de chamá-los de Sacais. Sua primeira tentativa foi a de desferir um golpe com as presas em minha garganta, percebemos a tempo e conseguimos nos esquivar do golpe com um pulo para trás.
Enfim Belzebu estava completamente manifesto, o aroma pútrido do ar sumiu dando lugar a incenso queimado em piras enormes na antiguidade, quando a ele ainda era rendido o respeito a um deus. Pude ver os muitos sacrifícios que foram feitos pela história a ele sem que seu nome fosse dito por temor.
Ele subiu em seu vôo para longe, se distanciando o suficiente para ter uma visão melhor da área do combate, sabia que se tentasse fugir e por um único segundo abrisse guarda para seu irmão, não sobreviveria para a próxima refeição.
Foi minha a vez de correr e alcançar o ar com um pulo, nós estávamos aos poucos deixando de ser eu e Belial, e enquanto eu avançava pelo ar, nós nos esquecemos do nome que tínhamos outrora.
Belzebu desceu em um rasante tentando acertar minha perna, eu a recolhi apenas para receber um jato de ácido vomitado astuciosamente em meu rosto. Sofri as duras penas da privação da visão e aos poucos perdi as forças que julguei ter.
Em uma manobra rápida ele deve ter girado no ar e voltou me atacando com sua presa mais uma vez, dessa vez foi certeiro e senti que em minha perna esquerda estava cravado o ferrão que queimava continuamente, tentei colocar as mãos, mas fui sacudido para o lado, a batalha estava perdida.
A derrota do homem que fazia parte de nós há 50 anos não seria boa para nós, não nos deixava felizes nem mesmo satisfeitos, ao contrário de nosso irmão nós apreciávamos a vida dos homens e com isso fizemos nosso nome tornar-se sinônimo da indestrutibilidade.
Mas o irmão era mais velho, mais sábio e guardava muito mais rancor dentro de si pelo tempo que permanecera preso, naquela confusão causada pela repressão ao seu culto e pela perseguição aos seus fiéis. Seu poder imenso só rivalizava com seu propósito e raiva. Destruí-lo seria impossível.
Senti então pela primeira vez o que acontecia de fato enquanto eu estava inconsciente e nós tomávamos a dianteira, diluindo minha existência na legião eu não me tornava mais fraco, mas nós tornávamo-nos mais fortes.
Sentimos então a comunhão completa, e o corpo do homem que estava sendo atacado e machucado, que era o corpo que também era nosso, passou a responder ao que queríamos. Belzebu tentava devorar nosso crânio quando sentiu que nós estávamos alimentados do Maná.
Ele proferiu maldições ancestrais, atirou-nos poderes que escondia no âmago de seu ser e quando o homem enfim deixou de ser um, para ser “nós”, pudemos proferir nossa verdadeira voz pela primeira vez na existência.
Com um golpe rápido a presa da mosca abissal fora quebrada, sangue amarelo com aroma de pus começou a escorrer e cada gota que tocava o solo era mais um pouco da eterna fome que jamais se saciava por querer ser tudo, essa fome nós entendíamos bem.
O irmão se afastou e deu um novo golpe, dessa vez jogando a força e o peso de seu corpo em cima de nós. Fomos lançados ao chão onde quase fomos esmagados pelo peso dele, e na ânsia de nos espetar com a outra presa que restava, conseguimos sair debaixo daquele monte.
Ele rolou, impulsionou-se para o alto com as patas ainda fortes e vimos que, enquanto aquelas asas fossem rápidas o bastante, dependeríamos da sorte. Pulamos mais uma vez, dessa vez mais rápido que ele e então conseguimos montar seu corpo.
Eu disse ao irmão que aquela forma era forte e majestosa, e que se estivéssemos em nosso lar, quente e esmagador, certamente eu estaria perdido. Belzebu entrou em pânico pelo que previu que aconteceria e tentou jogar-nos para longe de seu lombo tarde demais.
Abrimos nossa boca e arrancamos uma de suas asas, no pânico causado pela fraqueza o irmão estava limitado às leis naturais daquele mundo. Caímos tão velozmente que todos os ossos de meu corpo se quebraram, se fosse ainda o homem, nada teria restado.
Somente quando tentou voar novamente, não conseguiu e estava prestes a ser destruído, foi que Belzebu se enfureceu. De seu corpo saiu um jato daquele líquido amarelo, e como um foguete ele subiu para o céu, explodindo como fogos de artifícios fariam para comemorar algo, mas ele estava apenas alertando aos outros Seis Sacais que a coesão de seus poderes corria risco.
Não me restava muito tempo, logo eles estariam ali mesmo não gostando do irmão, Não desejariam perder a configuração atual que lhes permitia uma quase invencibilidade e se Belzebu fosse destruído, o grande plano estaria comprometido.
O homem agradeceu estar entre nós e não ter de sentir aquela sensação novamente quando pulamos como criaturas para fora do corpo e atacamos a carne do irmão.
Festejávamos como aquela cidade festejara com tanta carne à disposição. Fazíamos isso pois a cada mordida de cada um de nós, o irmão rompia-se em lágrimas e urros de pânico fazendo com que até mesmo a Alma do Mundo desviasse sua atenção daquele lugar.
As nuvens se assustaram e uma tempestade de raios se fez no ar, a terra temeu e tornou-se areia tentando esconder sua vitalidade do devorador que nós mostrávamos ser. Por aquele momento a promessa de poder era tão grande que podíamos começara a devorar o mundo para nos tornarmos tudo e todos.
Uma imensidão de possibilidades nos entorpecia e os gritos do irmão se calaram, cada um de nós pôde então saborear aquela refeição que fazia o homem em seu corpo vomitar compulsivamente. Ele jamais presenciara como nós nos alimentávamos, e como todas outras criaturas que presenciavam isso, ele começou a expelir a própria existência.
Lá no fundo do abismo de quem somos o irmão pedia para se tornar parte de nós, ao saber as condições para que isso acontecesse ele tentou desistir, apenas quando mostramos a ele que era inevitável, ele se calou por não mais ser ele.
Observamos o homem ao lado afastando-se da existência, chegando cada vez mais próximo da morte e decidimos que ele era “nós”, que viveríamos juntos ou morreríamos juntos, e mesmo sem querer que aquilo acontecesse, mais uma vez fizemos ele sofrer pela comunhão para que fossemos um.
Todos os ossos de meu corpo doíam pela reconstrução forçada, as milhares de vozes e presenças de Belial me saudavam de volta e eu dizia a elas que Sevla e Melangra nos esperavam. Deitei no chão enquanto conversávamos sobre o que acontecera ali, mas o alerta veio logo, os outros seis Sacais estavam ali.
Nós nos levantamos e vimos ao nosso redor cada um deles, furiosos e irritadiços com tudo que acontecera, queriam nos atacar e nos destruir, mas não tinham consigo o segredo de Belzebu. Sabiam que não podiam nos destruir sem destruir a unidade do poder.
Apenas nós sabíamos como destruir e assimilar, fazendo com que se tornassem parte de nós e a coesão do poder jamais fosse interrompida. Sorrimos maliciosamente para todos eles antes que desaparecessem, em nosso sorriso ficou expressa a promessa de que em breve a unidade existiria, todos eles seriam nós e nós seríamos a unificação!
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